2.8.07





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Não me importa nada






Não me importa nada que as mulheres tenham seios como magnólias ou como figos secos; uma pele de pêssego ou de lixa. Não dou nenhuma importância, ao facto de que amanheçam com um hálito afrodisíaco ou com um hálito insecticida. Sou perfeitamente capaz de suportar um nariz que ganharia o primeiro prémio numa exposição de cenouras; mas isso sim--e nisso sou irredutível—não lhes perdoo, sob nenhum pretexto, que não saibam voar. Se não sabem voar perdem o tempo as que pretendem seduzir-me!




Esta foi – e não outra, a razão porque me apaixonei tão loucamente por Maria Luísa.



Que me importavam os seus lábios entalhados e os seus ciúmes sulfurosos? Que me importavam as suas extremidades de palmípede e os seus olhares de prognostico reservado ?



Maria Luísa era uma verdadeira Pluma!









Desde o amanhecer voava do quarto até à cozinha, voava da sala de jantar à dispensa. Voando me preparava o banho, a camisa. Voando fazia as compras, as suas canseiras…




Com que impaciência eu esperava que voltasse, voando de algum passeio pelos arredores! Ali longe, perdido entre as nuvens, um pequeno ponto rosado. "Maria Luísa! Maria Luísa!"... e em poucos segundos, já me abraçava com as suas pernas de pluma, para levar-me voando a qualquer parte.





Durante quilómetros de silêncio planeávamos uma carícia que nos aproximava do paraíso; durante horas inteiras aninhávamo-nos numa nuvem, como os anjos, e de repente, em saca-rolhas, em folha morta, a aterragem forçada de um espasmo.






Que delícia a de ter uma mulher tão leve…, ainda que nos faça ver, de vez em quando as estrelas! Que voluptuosidade a de passarem-se os dias entre as nuvens… a de passar-se as noites de um só voo!










Depois de conhecer uma etérea, pode-nos brindar com alguma classe de atractivos uma mulher terrestre? É verdade que não há diferença substancial entre viver com uma vaca ou com uma mulher que tenha as nádegas a setenta e oito centímetros do solo?





Eu, pelo menos, sou incapaz de compreender a sedução de uma mulher pedestre, e por mais empenho que ponha em concebê-lo, não me é possível nem tão pouco imaginar que possa fazer-se amor a não ser voando.










/texto de oliverioGirondo. in qual é a minha ou a tua língua?-cem poemas de amor de outras línguas.fotos de joannaJoy.blue.ThomasZimmerman.underwater.fairyYale./

porque

voar nadar

é

deslizar

na direcção de

nada

de

s e r

o corpo atirado ao acaso

sustentado

apenas

da sua

beleza

da sua

l e v e z a




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Anônimo disse...

Não sei se voar me interessa.Porque ao voar mergulho em mim num tal solilóquio que qualquer outro me parece esvaziar-se de sentido. Neste meu exercicio de voar vejo coisas. Neste meu acto de narciso contemplo a transparência da paisagem.

Rui Carlos Souto