28.12.07

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OS PRISIONEIROS DAS CASAS











Jamais conseguiremos resolver o mistério de saber se somos nós que
habitamosas casas ou se são as casas que nos habitam.
Devagar, as casas tomam conta de nós e assistem à lentidão dos gestos.
Algures, alguém segura
uma chávena.
No momento em que falo, em que as minhas palavras se oferecem já ao
esquecimento, há uma rapariga que veste um vestido colorido para a noite de
estio. Há um espelho desejando a música que perpassa em seus ombros e uma
solidão de séculos mordendo a melancolia. Um rapaz sonha a rapariga.
Um outro rapaz sonha ser a rapariga. E a casa sonha-os, como personagens que ardem.
Portas abrem-se e fecham-se com estrondo.




Janelas convidam suicidas.
Janelas
convidam janelas. Janelas espreitam a tarde escorrendo pelas paredes, a procura
vã da velha mulher, a loucura toda de um fim de dia.
Por entre os lábios, juntamos palavras à matéria das casas. Mas as
casas
persistem em seu silêncio e sobrevivem-nos nesse silêncio. As casas
imaginam-nos como gostaríamos de ter sido e a nossa vida é uma sucessão de
casas que o tempo vai escurecendo. O corredor oblíquo da infância, o arco
desmedido da entrada, o desespero das mãos, a vastidão da mesa, a crua
simplicidade da velha arca.




Quem é capaz de conter a implosão das casas em nós?
Quem segura nosso peito?
Quem colhe um a um os pedaços? Quem, entre ruínas, nos fala ainda?
E dentro da casa todas as coisas.
De um tempo imemorial,
as coisas.
Minuciosas,como um ritual, as coisas. Mnemónica de sempre, as coisas.
Elegia permanente,as coisas. Ode permanente, as coisas.
O homem das sete partidas regressa cansado à casa e chora. As sete
partidas
só existem a partir da casa. E somos todos - todos! - prisioneiros das
casas.



















poema.casa :) de João Teixeira Lopes (forma alterada)










foto1AnkeMK2Yosef
















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