30.8.14




ESBOÇO PARA UM POEMA DE AMOR MODERNO

embora o branco



seja mais bem descrito pelo cinzento

o pássaro pela pedra

girassóis em Dezembro

os poemas de amor de outrora

eram descritos pela carne

descreviam isto e aquilo

por vezes pálpebras



e embora o vermelho deva ser descrito
pelo cinzento o sol pela chuva
papoilas em Novembro
lábios de noite


a mais tangivel descrição do pão
é uma descrição de fome

nela está
o caroço húmido e poroso
o interior quente
girassóis à noite

os seios ventre e coxas de Cibele
uma primaveril clara
e tangente descrição
da água
é uma descrição da sede
cinzas
deserto
isso produz uma miragem
nuvens e árvores movem-se
para dentro do espelho
privação de desejo
ausência da carne
tudo isto é uma descrição de amor
um poema de amor moderno

~~

O VERDADEIRO AMOR


O verdadeiro amor. É normal,
é sério, é prático?
O que é que o mundo ganha com duas pessoas
que vivem num mundo delas próprias?
Colocadas no mesmo pedestal sem mérito nenhum,
extraídas ao acaso entre milhões, mas convencidas
que era assim que tinha que ser - em prémio de quê? De nada.

A luz desce de qualquer lado.


Porquê nestas duas e não noutras?
Não é isto uma injustiça? É sim.
Não é contra os princípios estabelecidos com diligência,
e derruba a moral do seu cume? Sim, as duas coisas.
Olha para este casal feliz.
Não podiam ao menos tentar esconder-se,

fingindo um pouco de melancolia, por cortesia com os seus amigos.
Ouçam como riem - é um insulto
a linguagem que usam - ilusoriamente clara.
E aquelas pequenas celebrações, rituais
as mútuas rotinas elaboradas -
parece mesmo um acordo feito nas costas da humanidade.

É difícil prever a que ponto as coisas chegariam,
se as pessoas começassem a seguir o seu exemplo.
O que é que aconteceria à religião e à poesia?

O que é que seria recordado? Ou renunciado?
Quem quereria ficar dentro dos limites?

O verdadeiro amor. É mesmo necessário?


O tacto e o silêncio aconselham-nos a passar por cima dele em silêncio,
como sobre um escândalo na alta roda da vida.

Crianças absolutamente maravilhosas nasceram sem a sua ajuda.
nem um milhão de anos conseguiriam povoar o planeta.



Ele chega tão raramente.


Deixem que as pessoas que nunca encontraram o verdadeiro amor,
continuem a dizer que tal coisa não existe.
Com essa fé será mais fácil para eles viver e morrer.













/ poema1.tadeusRózewicz. poema2.wislawaSzymborska.tradutor desc.in qual é a minha ou a tua língua?-cem poemas de amor de outras línguas.assírio&alvim. nov.2003.formaAlterada.tradutor.desc.org.jorgeSousaBraga::foto1.Konformitat.JanRohwedder.2.oliverBonder.3.intoMySoul.LaraPires.4.redOne.lisaX.5.amidstShatteredGlass.jPSousa. /