30.8.14




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“No planeta do principezinho haviam existido sempre flores muito simples, ornadas de uma única fileira de pétalas, que não ocupavam lugar e a ninguém incomodavam. Despontavam uma manhã na erva e morriam à noite. Mas esta tinha germinado um dia, de uma semente trazida não se sabe de onde, e o principezinho vigiara de muito perto este rebento que não se parecia com os outros rebentos. Poderia ser uma nova espécie de embondeiro. Mas depressa o arbusto deixou de crescer e começou a preparar uma flor. O principezinho, que assistia ao surgimento de um enorme botão, pressentia que ia sair dali uma aparição milagrosa, mas a flor nunca mais acabava de preparar a sua beleza no abrigo da câmara verde. Escolhia cuidadosamente as suas cores. Vestia-se lentamente, ajustava as pétalas uma a uma. Não queria sair toda amarrotada como as papoilas. Só queria aparecer no pleno esplendor da sua beleza. Ah! Sim. Era muito vaidosa! A sua misteriosa toilette tinha durado muitos e muitos dias. E eis que uma manhã, precisamente à hora do nascer do sol, se mostrara.E ela, que tinha trabalhado com tanto afinco, disse bocejando:- Ah! Ainda mal acordei... Peço desculpa... Estou ainda toda despenteada...O principezinho não pôde conter, então, a sua admiração: - Como é bela!- É verdade, respondeu suavemente a flor. E nasci ao mesmo tempo que o sol...O principezinho percebeu muito bem que ela não era nada modesta, mas era tão comovente!- Acho que é a hora do pequeno-almoço, acrescentara ela daí a pouco, poderia ter a gentileza de pensar em mim...E o principezinho, muito atrapalhado, tendo ido buscar um regador de água fresca, servira a flor.E fora assim que ela depressa o atormentara com a sua vaidade um tanto susceptível. Um dia, por exemplo, ao falar dos seus quatro espinhos, dissera ao principezinho:- Podem vir, os tigres, com as suas garras! - Não há tigres no meu planeta, objectara o principezinho, e além disso os tigres não comem erva.- Eu não sou uma erva, respondera a flor em voz baixa.- Desculpe-me...- não tenho medo nenhum dos tigres, mas sinto horror das correntes de ar. Não terá por acaso um guarda-vento?«Horror das correntes de ar... é pouca sorte para uma planta, observara o principezinho. Esta flor é muito complicada...»- De noite ponha-me uma redoma por cima. Faz muito frio aqui. Não é confortável. Donde eu venho...Mas tinha-se calado de repente. Viera na forma de semente. Nada pudera conhecer dos outros mundos. Humilhada por se ter deixado surpreender a preparar uma mentira tão ingénua, tossira duas ou três vezes, para responsabilizar o principezinho pelos seus problemas:- Esse guarda-vento?...- Ia buscá-lo mas como estava a falar comigo!Então ela forçara a tosse para desse modo lhe causar remorsos.E fora assim que o principezinho, apesar da boa vontade do seu amor, depressa começara a duvidar dela. Tomara a sério palavras sem importância, e sentira-se muito infeliz.«Não devia tê-las ouvido, confiou-me um dia, nunca se deve ouvir as flores. Deve-se olhá-las e respirá-las. A minha perfumava o meu planeta, mas eu não sabia sentir prazer com isso. Essa história das garras, que tanto me irritou, devia ter-me enternecido...»«Na altura não fui capaz de compreender nada! Devia tê-la avaliado pelos actos e não pelas palavras. Ela perfumava-me e iluminava-me. Nunca devia ter fugido! Devia ter adivinhado a sua ternura por trás das suas pobres astúcias. As flores são tão contraditórias! Mas era demasiado jovem para saber amar.»Creio que, para a sua evasão, o principezinho aproveitou uma migração de pássaros selvagens. (...) E quando regou uma última vez a flor e se preparou para a colocar ao abrigo na sua redoma, descobriu que tinha vontade de chorar. - Adeus, disse à flor.Mas ela não lhe respondeu.- Adeus, repetiu.A flor tossiu. Mas não era por causa da sua constipação.- Fui estúpida, disse-lhe ela finalmente. Peço-te desculpa. Procura ser feliz.Ficou surpreendido com a ausência de censuras. Permanecia ali, muito confuso, com a redoma no ar. Não compreendia aquela calma suavidade.- É verdade, amo-te, disse-lhe a flor. Não o soubeste por culpa minha. Isso não tem qualquer importância. Mas foste tão estúpido como eu. Procura ser feliz... Deixa essa redoma em paz. Já não a quero.- Mas o vento...- Não estou tão constipada como isso... O ar fresco da noite há-de fazer-me bem. Sou uma flor. Não te demores assim, é irritante. Decidiste partir. Vai embora.Não queria que ele a visse chorar. Era uma flor tão orgulhosa...(...) Ao despedir-se da raposa, esta disse-lhe:- Vai olhar outra vez as rosas. Compreenderás que a tua é única no mundo. Voltarás para me dizer adeus e eu faço-te presente de um segredo.O principezinho foi ver outra vez as rosas.- Não são de modo nenhum parecidas com a minha rosa, ainda não são nada, disse-lhes ele. Ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. São como era a minha raposa. Era uma raposa parecida com cem mil outras. Mas fiz dela minha amiga e agora ela é única no mundo.E as rosas ficaram muito incomodadas.- São belas, mas vazias, disse-lhes ele ainda. Não se pode morrer por vocês. É certo que um vulgar viandante pensaria que ela se parece convosco. Mas por si é mais importante que vocês todas pois foi ela que eu reguei. Foi ela que eu coloquei sob uma redoma. Foi ela que eu abriguei com o guarda-vento. Foi a ela que matei as lagartas. Foi ela que eu ouvi queixar-se ou gabar-se, ou por vezes calar-se. Ela é a minha rosa.E voltou para junto da raposa:- Adeus, disse...- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se pode ver bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.- O essencial é invisível aos olhos, repetiu o principezinho de modo a poder recordar-se.- É o tempo que perdeste com a tua rosa que torna a tua rosa tão importante.- É o tempo que eu perdi com a minha rosa... disse o principezinho para se recordar.Os homens esqueceram esta verdade, disse a raposa, mas tu não deves esquecer-te. Tornaste-te para sempre responsável por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa...- Sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, para se recordar.”
(“O Principezinho” – Antoine de Saint-Exupéry)

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