RETRATO DE MULHER À LUZ DA TARDE
O poeta épico e o poeta dramático, disse Goethe, estão submetidos ás mesmas leis gerais. No entanto, se cada um deles conduz o poema até ao seu desfecho sem uma hesitação, ou antes, limitando a dúvida ao que se passa no espírito quando o amor, com a sua certeira seta, o fere, já as palavras são diversas. Não é o mesmo descrever a emoção com as imagens que ela sugere, ou transformá-la num discurso lógico, que obriga quem o faz a utilizar o raciocínio, deixando para depois o sentimento. A construção é o mais simples, neste processo, desde que o princípio corresponda à verdade que faz parte da vida de quem ama. O difícil é transpor a ponte que nos conduz ao outro: refiro-me a ti, que me esperas desse lado, por trás das árvores e das flores do jardim, com o sol a iluminar-te o rosto. É uma imagem simples: retrato de mulher à luz da tarde. Mas sinto-me obrigado a dar uma outra dimensão à figura humana, puxando-a para o convívio da minha alma. Aí as coisas ganham a profundidade de uma relação abstracta, despida dos aspectos materiais, e dos obstáculos que a realidade nos coloca. A perfeição nasce das frases que o verso trabalha, com o ritmo de uma respiração serena. Por fim, a imagem adquire uma beleza própria, que foge à própria fonte. E ao vê-la, pergunto: ainda és tu? Ou foste roubada a ti própria por esta luz com que o poema te envolve? Mas deixo-me de questões teóricas - e atravesso a ponte, deixando para trás imagens e discursos. É que do outro lado as leis gerais não contam, e são-me indiferentes os problemas que se colocam ao poeta, épico ou dramático. Puxo-te pela mão - e saímos da moldura, para dentro da vida.
Nuno Júdice
in "O Estado dos Campos"
Ed."Dom Quixote"
RETRATO DE MULHER À LUZ DA TARDE
O poeta épico e o poeta dramático, disse Goethe, estão submetidos ás mesmas leis gerais. No entanto, se cada um deles conduz o poema até ao seu desfecho sem uma hesitação, ou antes, limitando a dúvida ao que se passa no espírito quando o amor, com a sua certeira seta, o fere, já as palavras são diversas. Não é o mesmo descrever a emoção com as imagens que ela sugere, ou transformá-la num discurso lógico, que obriga quem o faz a utilizar o raciocínio, deixando para depois o sentimento. A construção é o mais simples, neste processo, desde que o princípio corresponda à verdade que faz parte da vida de quem ama. O difícil é transpor a ponte que nos conduz ao outro: refiro-me a ti, que me esperas desse lado, por trás das árvores e das flores do jardim, com o sol a iluminar-te o rosto. É uma imagem simples: retrato de mulher à luz da tarde. Mas sinto-me obrigado a dar uma outra dimensão à figura humana, puxando-a para o convívio da minha alma. Aí as coisas ganham a profundidade de uma relação abstracta, despida dos aspectos materiais, e dos obstáculos que a realidade nos coloca. A perfeição nasce das frases que o verso trabalha, com o ritmo de uma respiração serena. Por fim, a imagem adquire uma beleza própria, que foge à própria fonte. E ao vê-la, pergunto: ainda és tu? Ou foste roubada a ti própria por esta luz com que o poema te envolve? Mas deixo-me de questões teóricas - e atravesso a ponte, deixando para trás imagens e discursos. É que do outro lado as leis gerais não contam, e são-me indiferentes os problemas que se colocam ao poeta, épico ou dramático. Puxo-te pela mão - e saímos da moldura, para dentro da vida.
O poeta épico e o poeta dramático, disse Goethe, estão submetidos ás mesmas leis gerais. No entanto, se cada um deles conduz o poema até ao seu desfecho sem uma hesitação, ou antes, limitando a dúvida ao que se passa no espírito quando o amor, com a sua certeira seta, o fere, já as palavras são diversas. Não é o mesmo descrever a emoção com as imagens que ela sugere, ou transformá-la num discurso lógico, que obriga quem o faz a utilizar o raciocínio, deixando para depois o sentimento. A construção é o mais simples, neste processo, desde que o princípio corresponda à verdade que faz parte da vida de quem ama. O difícil é transpor a ponte que nos conduz ao outro: refiro-me a ti, que me esperas desse lado, por trás das árvores e das flores do jardim, com o sol a iluminar-te o rosto. É uma imagem simples: retrato de mulher à luz da tarde. Mas sinto-me obrigado a dar uma outra dimensão à figura humana, puxando-a para o convívio da minha alma. Aí as coisas ganham a profundidade de uma relação abstracta, despida dos aspectos materiais, e dos obstáculos que a realidade nos coloca. A perfeição nasce das frases que o verso trabalha, com o ritmo de uma respiração serena. Por fim, a imagem adquire uma beleza própria, que foge à própria fonte. E ao vê-la, pergunto: ainda és tu? Ou foste roubada a ti própria por esta luz com que o poema te envolve? Mas deixo-me de questões teóricas - e atravesso a ponte, deixando para trás imagens e discursos. É que do outro lado as leis gerais não contam, e são-me indiferentes os problemas que se colocam ao poeta, épico ou dramático. Puxo-te pela mão - e saímos da moldura, para dentro da vida.
Nuno Júdice
in "O Estado dos Campos"
Ed."Dom Quixote"
in "O Estado dos Campos"
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